No Amazonas, barco vira biblioteca durante transporte de alunos às escolas

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Os ouvidos treinados reconhecem ao longe o som da chegada, antes que os olhos possam vê-lo fazendo a curva do rio. Prontamente, as crianças da comunidade de Peixinho, a mais de 120 km de Manacapuru, colocam as mochilas nas costas e descem a encosta até a beira para aguardar o barco-escola. Serão cinco horas na embarcação, que passará ainda por dezenas de casas e comunidades ao longo do Rio Manacapuru para buscar os alunos rumo à única escola da região. O longo trajeto, antes marcado pelo tédio silencioso, agora tem outro som: o das páginas de livros.

Desde o início de abril, os 150 alunos da Escola Estadual de Nossa Senhora do Rosário dividem o barco com caixas de livros da biblioteca preparados especialmente pela direção da escola com apoio da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc-AM). O projeto “Piracema Literária: nossa biblioteca nos rios” disponibiliza dezenas de títulos nos quatro barco-escolas que fazem o trajeto dos alunos da zona rural até a escola. Segundo Eduardo Cavalcante, secretário da escola, a ideia é oferecer uma opção educativa e também de entretenimento para o percurso diário.

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“O trajeto é longo e percebemos que os alunos ficavam muito ociosos nos barcos. Preparamos caixas com livros divertidos, romances, histórias para todas as faixas etárias. Nosso objetivo é que eles possam sentir prazer pela leitura, ver o livro como um amigo com quem podem passar um tempo bom no dia”, comentou.

A cada mês, a direção da escola pretende trocar as caixas de livros entre os barcos, para que os alunos tenham novas opções disponíveis. A preservação dos livros também é tema de conversas na escola com os alunos, que são incentivados a adotarem os livros e zelar por eles por uma semana durante o trajeto para a escola.

Resultados – Embora com pouco mais de um mês em execução, o projeto já tem apresentado um retorno positivo dos alunos, tanto dentro quanto fora da sala de aula. A rapidez na leitura, o aumento no vocabulário e até nas interações sociais são observados pelos professores. O gosto pelas histórias, segundo Kleiveson Gama, de 14 anos, foi o principal estímulo para embarcar no projeto.

“Eu gosto de livros de aventuras, até leio em casa mas não tenho muito tempo. É bom agora poder aproveitar no caminho”, comentou o estudante.

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Viagem – Em Manacapuru, 15 escolas estaduais atendem a zona rural,das quais 4 são alcançadas apenas por via fluvial. A Escola Estadual Nossa Senhora do Rosário é a que atende mais alunos na região, com ensino mediado por tecnologia regular e voltado a jovens e adultos. Para chegar até a escola, os alunos são transportados por um dos quatro barco-escolas oferecidos pela Seduc-AM. Cada um conta com um piloto e um monitor, que auxiliam os alunos a subirem nas embarcações e mantém a segurança durante o trajeto.

O transporte passa diariamente em algumas comunidades e casas isoladas, buscando alunos de 4 a 15 anos. A rota inicia às 8h da manhã na comunidade mais distante e finaliza às 12h na chegada à escola, onde as aulas iniciam às 13h. Segundo o coordenador da regional em Manacapuru, Paulo Bastos, no período da seca os desafios são ainda maiores: as rotas mudam e alguns alunos precisam fazer parte do trecho a pé.

“Nosso estado tem peculiaridades que exigem adaptações conforme a época do ano. Mesmo com todo apoio de transporte que oferecemos, na seca contamos com um esforço maior dos alunos. Mas em qualquer época do ano, a persistência deles é algo inspirador”, comentou.

Para Francksinatra Cavalcante, tio de três alunos que pegam o barco-escola nos primeiros pontos do trajeto, o próprio transporte nem era algo pensado na sua época de estudante.

“Quando eu tinha a idade deles não tinha a facilidade de hoje em dia, de ter transporte e alguem acompanhando, era a gente remando mesmo. Fico feliz de ver que além de terem um acompanhamento para ir para a escola eles também estão lendo mais”, afirmou.

A expectativa da direção da escola é que a iniciativa possa incentivar os futuros leitores e também inspirar outras escolas estaduais que tenham uma realidade parecida. Ao todo, mais de 150 estudantes participam atualmente do projeto e passaram a ser leitores assíduos no trajeto de casa até a escola.

 

Fotos: Cleudilon Passarinho / Seduc